quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Fingimento da sociedade descrito em 53 palavras.

Sou louco, impulsivamente. Não por nada , mas por tudo, mas porque tem que ser, porque calhou-me ser assim, como calha a todas as outras pessoas. Elas são loucas por nada e não por tudo, não porque tem que ser mas sim porque querem ser e eu simplesmente sou. Sou, porque sim, louco, arrebatadamente.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009



" Terrível bebé:

Gosto das suas cartas, que são meiguinhas, e também gosto de si, que é meiguinha também . E é bombom, e é vespa e é mel, que é das abelhas e não das vespas, e tudo está certo, e o bebé deve escrever-me sempre, mesmo que não escreva, que é sempre, e eu estou triste, e sou maluco, e ninguém gosta de mim, e também porque que havia de gostar, e isso mesmo, e torna tudo ao princípio, e parece-me que ainda lhe telefono hoje, e gostava de lhe dar um beijinho na boca, com exactidão e gulodice e comer-lhe a boca e comer os beijinhos que tivesse lá escondidos e encostar-me ao seu ombro e escorregar para a ternura dos pombinhos, e pedir-lhe desculpa, e a desculpa ser a fingir, e tornar muitas vezes, e ponto final até recomeçar e porque é que a Ofelinha gosta de um meliante e de um cevado e de um javardo e de um indivíduo com ventas de contador de gás e expressão geral de não estar ali mas na pia da casa ao lado, e exactamente, e enfim, e vou acabar porque estou doido, e estive sempre, e é de nascença, que é como quem diz desde que nasci, e eu gostava que a Bebé fosse uma boneca minha, e eu fazia como uma criança, despia-a e o papel acaba aqui mesmo, e isto parece impossível ser escrito por um ente humano mas é escrito por mim.

Fernando
09-10-1929 “

Fernando Pessoa